20 de dez. de 2021

Gestual

 

A maioria das artes que apresento neste blog datam de 1980 em diante, mas eu comecei a rabiscar na infância e me assumi artista plástica em 1972, aos dezessete anos. Infelizmente as obras que fiz nesta época não resistiram ao tempo ou foram dadas de presente. O princípio da minha tomada de consciência artística, voltada a profissão, foi parecida com o que acontece com a maioria. Desenhava e pintava, reconhecendo as ferramentas e os materiais. A auto valorização era constante mas a auto crítica vigiava ao lado e não demorou para que eu começasse a me interessar pelos famosos grandes mestres e daí descortinar o profundo, significativo e verdadeiro mundo das artes. É comum iniciantes se tornarem discípulos apaixonados por vários artistas gloriosos que deixaram legados, até por que é preciso se atualizar constantemente e não se iludir, acreditando que descobriu algo novo enquanto exercita, mas que de fato, tal estilo já foi criado anos anteriores, séculos ou décadas. Reproduzir estilos já criados, misturar escolas hoje em dia também é muito normal. O meu interesse se estendeu da pré-história ao 3d atual, passando por toda arte já concebida. A história da arte, nos remete ao estudo da história da humanidade e nos ajuda a entender melhor a qualidade de vida e avaliar a mentalidade dos povos, mas para isso é importante aprimorar o conhecimento sobre as técnicas utilizadas em cada tempo. Os períodos são marcados por evoluções ou degradaçōes que podem se dar até mesmo paralelamente. Ter nascido no século vinte ou vinte e um é um precioso previlégio, ao se observar o acúmulo de conhecimentos já adquiridos, contudo se torna mais difícil realizar o novo, aquilo que está por vir e ainda ninguém, ou nenhum grupo concebeu. Estávamos assim neste entremeio e final do século xX, lapidando, burilando o novo. Havia um muro transparente onde cada artista se lançava estudando, ocupado de corpo e alma rumo ao novo. Efervescência cultural que nos excitava a estudar, recapitular, destrinchar e experimentar. Sim, veio o novo, mas isto é outro assunto para um outro post. Diante do portal transparente eu também me projetava, batia e retornava na força do rebatimento e lá estava eu levada a algum andar do platô das artes. Um dia caí no andar do Gestual. Até então eu era uma artista figurativa. Antes, apesar de ser auto didata eu resolvi conhecer melhor o desenho e estudar as técnicas renascentistas de "claro escuro", para superar alguns impedimentos que cerciavam a minha liberdade. Um estudo maravilhoso que me abriu os olhos e a percepção. Estudei dois anos no Liceu de Artes e Ofício, com o mestre catedrático Jaime Pereira Ramos. O curso era diário e de segunda a sexta-feira, três horas por dia. Mas deste aprendizado, me prevaleci apenas do conhecimento e do aprimoramento óptico, pois empreguei tudo nos meus estilos pessoais bem longe dos modelos acadêmicos. Anos mais tarde, visitei o professor em ateliê de sala de aula e ele me perguntou, diante dos alunos estudando cada um em seu cavalete: _Está pintando o quê? _ e eu respondi _ Abstrato. _ ele sorriu, notei que verteu uma lágrima, disfarçadamente e elogiou o Abstracionismo, diante de todos e com voz alta para que todos ouvissem, usando aquele seu tom peculiar de severidade. E como sempre, todos ouviram sérios e introspectivos.

Mas, continuando de onde parei, subitamente me deparei com o Gestual, que era uma escola já desenvolvida na década de 40, mas que voltou a figurar entre as práticas e estudos da minha geração. No íntimo eu sentia vontade de experimentar o Abstracionismo, pois já havia desfrutado bastante do Expressionismo, Fauve, Cubismo, Pontilhismo, e outros "ismos", na pintura e desenho com aquarelas, nankins, guaches e hidrocores, canetas, bicos de pena e lápis variados. Materiais que me fascinavam, ganhando vida sobre papéis. Também pintava telas a óleo, na verdade a minha primeira convivência básica, mas os materiais aquosos passavam uma fuidez convidativa ao abandono das formas. No entanto a rigidez do carvão e do lápis mantinha a atenção clara e objetiva do traço. Como romper ou migrar deste universo tão complexo e completo para as esferas das desconstruções, sem timidez? Reconheço que as teorias do Fauve em favor da cor pura em muito me auxiliaram, talvez um pouco de cada uma dessas escolas que surgiram praticamente no mesmo instante se uniram e dinamizaram as próximas ações reveladoras do meu tempo pessoal abstrato. Foi como um ritual seguido de etapas. É preciso conviver diretamente para entender de fato os valores contidos analisados e o mais interessante é que os resultados obtidos também podem agradar e sensibilizar os leigos espectadores que passam a reconhecer aquela esfera visual carregada de atributos, através da nova arte apresentada.


A arte do gesto, me levou aos princípios da arte e das formas. A origem das formas que emergem do âmago do ser envoltas em novelos da nossa inspiração. Antes mesmo que se possa racionalizá-la, a forma original se forma para surgir e se materializar por algum meio, no caso desenhada ou pintada no papel. Percebi que assim provavelmente surgiram as primeiras formas riscadas do horizonte primitivo. O gesto livre, descontraído e instintivo do rabiscar a terra com gravetos e a imediata percepção do ser humano pré histórico de reconhecer a forma projetada ali no chão, semelhante justamente ao que ele observava mentalmente, pode tê-lo despertado para a criação dos primeiro símbolos, das primeiras imagens rupestres e aí se abrir uma infinidade de portais que chegaram até o surgimento da escrita e desencadearam o armazenamento dos conhecimentos. Existem técnicas especiais para desenvolver as dinâmicas gestuais e técnicas especiais para observar os graus de sua desenvoltura, teoria e prática. As mais comuns estão associadas as manchas de tinta e linhas. Eu desenvolvi todas que pude captar e perceber e até hoje, volta e meia sinto- me inspirada em fazer obras gestuais. Em resumo, mergulhada na Arte Do Gesto, pude trajetoriar nas formações da forma, construção e desconstrução sem romper praticamente com o figurativo. Esta liberdade de ir e vir, foi então mais libertária do que a ação racional de criar imagem forçadamente sem forma reconhecida, aparente. Até por que este conceito pode servir de base teórica, mas é mais imaginativo que real. Por isso o Abstracionismo desdobrou-se em sequência e assim continua para mim e outros artistas. Depois deste contato com o Gestual, me senti muito mais à vontade para criar Abstratos, apesar do Abstrato historicamente ter surgido antes e o Gestual ser considerado mais uma de suas vertentes. 
No vídeo abaixo vcs poderão assistir a exposição do Dragão Vermelho, no virtual Teatro Exposição. Nela estão reunidos técnicas físicas de lápis cera escaneada e pixels. Basta clicar na imagem.
O Dragão Vermelho, foi criado, como ilustração, inspirado em um conto do "Realismo Fantástico" em 2014, que ainda não foi publicado. O conto não menciona a técnica artística Gestual, mas a imagem surgiu espontânea enquanto eu escrevia. 


Lápis Cera e Pixels  2014 - Vídeo